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Drª. Lígia Pires

Pneumologista

Medicina Hiperbárica
Evidência fortalecida; desafios renovados

HPA Magazine 8


Apesar da evidência científica crescente e dos vastos resultados comprovados, a Oxigenoterapia Hiperbárica continua longe do conhecimento da maior parte dos profissionais de saúde e, naturalmente do público em geral. Há muito que deixou de ser mais uma alternativa ou coadjuvante. Hoje é, em algumas situações, a opção de eleição. Quase a comemorar dois anos de existência, fomos saber junto da Coordenadora do Departamento de Medicina Hiperbárica, que balanço e que projetos se avizinham para este serviço, o mais jovem do país.


HPA: Dr.ª Lígia sabemos que a evidência científica acerca da Oxigenoterapia Hiperbárica (OTH) saiu reforçada, com o lançamento das últimas linhas de orientação europeias publicadas em 2016 após a 10ª Conferência de Consenso do Comité Europeu para a Medicina Hiperbárica. Quer esclarecer-nos?

LP: Para realizar estas recomendações oficiais foram avaliados todos os estudos científicos publicados nos últimos 12 anos, sendo analisada a eficácia desta terapia em diversas doenças.
A surdez súbita subiu para nível de evidência 1, o que quer dizer que existe forte evidência científica que os doentes com esta patologia que realizem esta terapêutica têm melhores resultados. Também subiu o nível de evidência para este tratamento na  cegueira súbita por oclusão da artéria central da retina.
A OTH impôs-se como um tratamento fundamental para a reparação dos danos graves provocados pela radioterapia sendo também evidência tipo 1, o que significa que os doentes com estas complicações que não realizam OTH estão a ser negligenciados. Recentemente os membros do colégio da ordem dos médicos que fazem parte da Competência de Medicina Hiperbárica realizaram uma reunião no IPO do Porto para divulgarem e sensibilizarem os oncologistas para estes resultados. Exemplos destas complicações são as cistites e proctites rádicas, que podem surgir logo após a radioterapia ou até muitos anos depois. Também está comprovado que os doentes que foram submetidos a radioterapia da cabeça e pescoço devem realizar OTH antes de procedimentos dentários como extracções de dentes e implantes para evitar morte do tecido ósseo e infeções.
Existem evidências que a OTH pode ser benéfica em doentes com lesões cerebrais, nomeadamente nos acidentes vasculares cerebrais em fase crónica e nos traumatismos craneanos em fase aguda ou crónica.
Os trabalhos na área da cirurgia plástica comprovaram a eficácia da OTH nas queimaduras, sendo agora uma indicação nas queimaduras de 2º grau com mais de 20% de superfície corporal afetada. Assim como a sua utilização nos retalhos e excertos cutâneos quando comprometidos.

HPA: Em termos de casuística e de resultados, como tem sido a evolução da Hiperbárica do Hospital de Alvor?
LP: Temos tido uma casuística variada com bons resultados, porque temos seguido as recomendações do comité europeu, o que significa que temos usado este tratamento em doenças cuja eficácia está comprovada. A maior dificuldade é o facto de os doentes serem muitas vezes referenciados tardiamente, em fases mais avançadas das doenças. 

HPA: Quer salientar alguns dos “casos de sucesso”?
LP:
Para mim o caso que me marcou mais foi de uma criança de 9 anos que me foi enviada por uma técnica de aparelhos auditivos porque os pais tinham sido informados pelo médico assistente que a sua surdez súbita era irrecuperável. Realizámos OTH e apesar de terem passados mais de 3 meses após o início dos sintomas, recuperou. 
Também são gratificantes os resultados das cistites rádicas que temos tratado, pois são doentes que têm grandes limitações da sua qualidade de vida com sangramentos constantes e anemia, melhorando significativamente a seguir ao tratamento.
Recebemos do Centro Hospitalar do Algarve um doente em recuperação após fractura exposta grave, resultante de acidente de viação, numa fase adiantada da doença em que já tinha os tendões expostos por perda de tecido que teve uma recuperação completa.

HPA: As feridas são das situações com resultados mais eficazes no tratamento com Oxigenoterapia Hiperbárica. Falamos de quaisquer feridas, ou há situações onde esses resultados se evidenciam mais?
LP: As feridas dos pés diabéticos são uma das recomendações mais conhecidas, uma vez que a OTH atua em todos os fatores que atrasam a sua cicatrização (falta de oxigenação local, infeção e deficiente circulação) e promove a produção de proteínas para a cicatrização. Feridas por lesões vasculares como úlceras varicosas ou lesões arteriais (quer nos doentes inoperáveis, quer nos doentes que foram submetidos a cirurgia de revascularização com síndrome de reperfusão).
É recomendada a aplicação da OTH precocemente nas fracturas expostas, porque reduz complicações graves como morte do tecido e infeções. Numa fase posterior promove a cicatrização e a reparação da perda de substância.

 

HPA: Ainda relativamente às feridas, está projetado algum desenvolvimento ou alguma oferta mais estruturada e específica nesta área?
LP: Está a ser criado um centro internacional de feridas multidisciplinar que vai ser dedicado ao tratamento de feridas crónicas. Vamos agilizar os tratamentos de OTH com a realização dos pensos e observação de enfermeiros e médicos especialistas na área, para que os doentes tenham o seu tratamento optimizado no menor tempo possível.

HPA: Está também previsto alargar a oferta de serviços? 
LP:
Vamos realizar consultas de medicina do trabalho a mergulhadores profissionais. Estamos a elaborar um check-up de exames no dia da consulta, com o perfil exigido pelas autoridades competentes. Já estou registada no site da Marinha Portuguesa com competência para validar as carteiras profissionais dos mergulhadores que se apresentem “fit to dive”.

HPA: O Departamento já organizou umas Jornadas, já apresentou trabalhos em congressos e também colabora em formação médica pré-graduada. Há mais projetos em termos de investigação e formação?
LP: Vamos estar envolvidos num projecto a nível nacional para estudar a eficácia da OTH na fibromialgia. 
Aproveitamos para felicitar a Dr.ª Lígia Pires pela nomeação junto da European Respiratory Society, enquanto Secretária do Grupo de trabalho Acute Critical Care.