Serviço de Ginecologia e Obstetrícia
HPA Magazine 23 // 2025
Fatores de Risco para Sofrimento Fetal
A ausência de bem-estar fetal manifesta-se frequentemente por sinais sugestivos de acidose hipóxica devido a trocas gasosas materno-fetais inadequadas. Se não identificada e tratada a tempo, pode evoluir para disfunção multiorgânica ou morte perinatal. Embora alguns estudos demonstrem que nem todos os casos de morte perinatal podem ser prevenidos, a deteção precoce de alterações do bem-estar fetal é essencial para a monitorização direcionada e personalizada e, intervenção oportuna eficaz, de forma a minimizar os riscos de morbimortalidade perinatal.
Fatores de risco associados ao sofrimento fetal incluem:
• Maternos: extremos da idade, primiparidade, etnia africana, cesariana anterior, antecedente de aborto ou morte fetal, obesidade, doenças maternas (diabetes, hipertensão, pré-eclâmpsia, doença renal, doença tiroideia, entre outras), tabagismo, infeções, dor ou trauma abdominal, sintomas urinários, gastrointestinais, respiratórios ou vasculares;
• Fatores da Interface Materno-Fetal: alterações da placentação, insuficiência placentária, descolamento prematuro da placenta normalmente inserida;
• Fetais: malformações congénitas, restrição do crescimento fetal, oligo ou polihidrâmnios, diminuição dos movimentos fetais;
• Obstétricos: pós-datismo, ameaça de parto pré-termo, rutura prematura das membranas, CTG não tranquilizador, trabalho de parto estacionário, febre intraparto e circulares cervicais;
• Socioeconómicos: baixo rendimento, violência doméstica e toxicodependência.
Movimentos Fetais: Indicador Simples e Essencial
Os movimentos fetais refletem o desenvolvimento neuromuscular e a vitalidade do feto, sendo percecionados pela grávida a partir das 16 a 24 semanas, com pico em torno das 32 semanas e que se mantêm até ao final da gestação. Cada feto tem um padrão único, sendo descritos como "borboletas", tremores ou pontapés, que podem variar ao longo da gravidez. Alterações no padrão dos movimentos fetais podem ser o primeiro sinal de comprometimento fetal, exigindo avaliação adicional, com cardiotocografia e ecografia.
Cardiotocografia
A Cardiotocografia (CTG) avalia a frequência cardíaca fetal e a contratilidade uterina, identificando padrões indicativos de hipoxia ou sofrimento fetal. É especialmente útil no terceiro trimestre, quando o sistema nervoso autónomo fetal se encontra mais desenvolvido. Os principais parâmetros avaliados incluem:
• Linha de base da frequência cardíaca fetal: normal entre 110 e 160 batimentos por minuto (bpm);
• Variabilidade: normal entre 10 e 25 bpm;
• Acelerações: indicativas de bem-estar fetal;
• Desacelerações: Podem indicar sofrimento fetal;
• Movimentos fetais: devem estar presentes;
• Contratilidade uterina.
Alterações como taquicardia (aumento do número de batimentos cardíacos) ou bradicardia (diminuição do número de batimentos cardíacos) fetal, desacelerações tardias repetitivas ou prolongadas, diminuição da variabilidade ou alteração do padrão dos movimentos fetais podem indicar sofrimento fetal e necessidade de intervenção médica imediata.
Perfil Biofísico
O perfil biofísico avalia variáveis fetais como frequência e reatividade cardíacas avaliadas na cardiotocografia, movimentos respiratórios e corporais, tónus e volume de líquido amniótico. Está recomendado a partir das 32-34 semanas em gestações de risco, podendo ser antecipado em determinados casos.
Velocimetria Doppler
A velocimetria doppler analisa o fluxo sanguíneo uteroplacentário e fetal. Casos de fluxo reverso na artéria umbilical ou aumento do fluxo na artéria cerebral média são sinais de alerta de hipoxia grave, muitas vezes associados a necessidade de interrupção precoce da gravidez. Um feto sob hipoxia ou sofrimento fetal agudo apresenta centralização da circulação fetal, um mecanismo compensatório, que se caracteriza por aumento da resistência periférica e aumento da vasodilatação central, de forma a ocorrer redistribuição do fluxo sanguíneo para os órgãos essenciais (cérebro, coração e glândulas suprarrenais), em detrimento dos órgãos não essenciais (rim e trato gastrointestinal), com consequente diminuição do líquido amniótico e aumento da ecoge¬nicidade intestinal. Perante persistência da centralização da circulação fetal, podem ocorrer alterações venosas, como pulsações na veia umbilical e fluxo retrógrado no ducto venoso, indicativos de alto risco de morbimortalidade perinatal.
Conclusão
O fornecimento de informações claras e objetivas às grávidas é crucial para assegurar uma monitorização fetal eficaz.
A avaliação do bem-estar fetal combina métodos simples, como a vigilância dos movimentos fetais e tecnologias avançadas, como CTG e ecografia. Esta abordagem integrada melhora significativamente os resultados perinatais. A educação das grávidas e o acesso a cuidados especializados são fundamentais para garantir uma gravidez segura e desfechos maternos e perinatais favoráveis.
O Grupo HPA disponibiliza recursos como a Linha Mamã 24Horas (289 830 040) que oferece suporte permanente às gestantes, promovendo uma abordagem humanizada e acessível em todas as etapas da gravidez.
Referências/References
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