Otorrinolaringologista
HPA Magazine 22 // 2024
Olá Dr. João Simões, é um prazer tê-lo connosco hoje. Como está a correr até agora a sua experiência de trabalho no Algarve?
Olá, agradeço o vosso convite para esta entrevista. A minha experiência no Algarve tem sido bastante positiva. Estou muito entusiasmado por ter a oportunidade de continuar a exercer a minha atividade enquanto Otorrinolaringologista nesta região e, especialmente, por poder continuar o meu trabalho no domínio dos distúrbios vestibulares periféricos, ou seja, no âmbito dos quadros clínicos de vertigem, tontura, desequilíbrio que podem ser originados por problemas no ouvido. Trabalho nesta área há vários anos, à qual me dediquei especialmente nos últimos anos na Bélgica, país onde exerci de 2019 a 2024, e também no trabalho realizado para o meu Doutoramento pela Faculdade de Medicina de Coimbra.
Ficamos contentes por ouvir isso. Pode falar-nos um pouco mais sobre esses distúrbios?
Dois dos casos mais frequentes de vertigem que se costuma encontrar em consulta e urgência são a vertigem posicional paroxística benigna (VPPB, comummente conhecida pelos cristais do ouvido interno) e a neuronite vestibular. A VPPB é causada pela deslocação dos otólitos no ouvido interno e é caraterizada por episódios breves de tontura intensa, desencadeados por mudanças de posição da cabeça, como virar na cama ou levantar-se rapidamente, estender a roupa, apanhar um objeto do chão. Já a neuronite vestibular é uma inflamação aguda do nervo vestibular, que pode causar vertigem intensa, náuseas e vómitos durante alguns dias. Depois temos outras situações mais complexas, que obrigam a um estudo complementar e um seguimento mais aprofundado como a doença de Ménière (classicamente os doentes apresentam surdez, vertigem e zumbido) e mesmo outros quadros que entram no domínio de outras especialidades (e que necessitam da articulação com estas) como a enxaqueca vestibular, por exemplo. Ainda é preciso salientar que existem outras situações menos comuns, mas igualmente incapacitantes, como disfunções pós-traumáticas do ouvido interno e lesões vasculares, como a hemorragia do ouvido interno.
É possível prevenir essas doenças? O que se pode fazer para ajudar essas pessoas?
É uma excelente questão. Exceto situações muito específicas como uma queda ou uma infeção por um vírus, que podem favorecer a ocorrência de uma VPPB ou de uma inflamação do ouvido interno, respetivamente, não existem argumentos fortes em relação a outras causas possíveis. Isto quer dizer que qualquer um de nós pode ter um ou mais destes distúrbios ao longo da vida.
Um ou mais? Na mesma pessoa?
Sim, é de facto possível e não é incomum. Podemos ter um doente que teve uma neuronite e mais tarde uma VPPB. Ou uma doente que tem uma doença de Ménière ou distúrbios do fluxo sanguíneo e que, a dado momento, apresenta uma VPPB. Daí ser fundamental uma avaliação especializada, um diagnóstico diferencial completo, o que necessitará da realização de alguns exames complementares e mesmo, por vezes, da colaboração com outras especialidades médicas. Felizmente, após estas etapas muitas vezes podemos ajudar e reabilitar as pessoas.
Dr. João poderia falar-nos sobre a importância da reabilitação no tratamento de pacientes com vertigem?
Claro. A reabilitação vestibular, também conhecida como reeducação vestibular, é um componente fundamental no tratamento de pacientes com vertigem e distúrbios do equilíbrio. Trata-se de uma abordagem multidisciplinar com articulação da especialidade de ORL com a Fisiatria e Fisioterapeutas. O objetivo é reabilitar a função do nosso ouvido interno e sistema do equilíbrio e melhorar a nossa orientação espacial do corpo. Isto inclui uma grande variedade de exercícios, desde os mais simples até aos mais complexos e com tecnologia muito específica, que ajudam a melhorar a capacidade do doente em lidar com os sintomas e compensar a ausência de determinada função, que deve ser detetada nos exames previamente realizados. Assim, ajudamos o doente a compreender o que tem, a reconhecer os sintomas e a conhecer e dominar as técnicas que o ajudam a ter uma melhoria significativa na qualidade de vida. Outros casos, felizmente, podemos recuperar mais rapidamente (a maior parte das vezes, mas nem sempre) e de forma eficaz após um diagnóstico correto, como é o caso da VPPB em que fazemos as manobras para “colocar novamente os cristais do ouvido interno no seu local habitual”, explicando de forma simples.
E qual a abordagem que se costuma adotar na reabilitação vestibular dos pacientes?
A abordagem na reabilitação vestibular varia de acordo com as necessidades específicas de cada paciente. Após uma avaliação detalhada do quadro clínico e dos sintomas do paciente, pode-se desenvolver um plano de reabilitação personalizado que pode incluir exercícios de movimentos da cabeça e do corpo, técnicas de estabilização visual, no domicílio ou em meio clínico em sessões de fisioterapia, com instrumentos de reabilitação específicos, entre outros. O objetivo é ajudar o paciente a readaptar-se ao equilíbrio e à função vestibular comprometida, reduzindo assim os sintomas de vertigem e melhorando a sua qualidade de vida.
Entendi. A reabilitação vestibular parece desempenhar um papel crucial no tratamento da vertigem. Pode falar-nos um pouco mais sobre a sua experiência no estrangeiro e quais os exames de estudo vestibular que está habituado a realizar?
Claro. Na Bélgica tive a oportunidade de consolidar e continuar a desenvolver as competências adquiridas durante o internato de Otorrinolaringologia, no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra. Foi uma excelente oportunidade, porque continuei a ter acesso a um estudo complementar completo e moderno para estes doentes, com diferentes exames de estudo vestibular, como a videonistagmografia, o vídeo head impulse test, potenciais evocados vestibulares e a posturografia dinâmica computorizada, num sistema organizacional bastante eficaz. Isto permitiu analisar em detalhe cada doente, trabalhar em estreita colaboração com fisioterapeutas especializados em reabilitação vestibular e observar a melhoria dos doentes. É um excelente projeto poder continuar com esta vertente no Grupo HPA, onde se pode realizar esta exploração diagnóstica, nomeadamente com a videonistagmografia no Hospital de Alvor.
É ótimo ouvir isso. Por último, que conselho daria a alguém que sofre de vertigem e procura ajuda?
O meu conselho seria procurar ajuda médica especializada. Importa não esquecer que uma crise de vertigem/tontura/desequilíbrio pode ser ou não causada por um problema de ouvido. Podem ser também situações neurológicas urgentes. O diagnóstico diferencial com exames complementares adequados é sempre crucial. Um diagnóstico preciso é fundamental para um tratamento eficaz e ajudar a pessoa a recuperar o equilíbrio e a qualidade de vida e, em muitos casos, em conseguir manter essa funcionalidade, como nos casos das disfunções crónicas. Não hesite em procurar ajuda.