Serv. de Ginecologia Obstetrícia
HPA Magazine 21 // 2024
A vivência da gravidez influencia bastante o período pós-parto e elevados níveis de stress e ansiedade parecem estar relacionados com o desenvolvimento de doenças do foro psiquiátrico. O puerpério é um período sensível por ser condicionado pelas mudanças brutais que lhe são inerentes, onde a mulher retorna ao estado pré-gravídico, operando mecanismos fisiológicos intensos que se figuram na recuperação de vários sistemas corporais e órgãos. É então expectável que este tipo de transtornos mentais possa surgir num período tão sensível no ciclo vital da mulher. Os transtornos de ansiedade constituem um grupo de doenças do foro mental que se caraterizam por reações exacerbadas da resposta do medo e relacionam-se a perturbações comportamentais.
São o tipo de patologia que mais acomete os portugueses, estimando-se que 30% das mulheres irão experienciar algum tipo destes transtornos ao longo das suas vidas. No entanto, apesar de se apresentar como uma doença com prevalência aumentada, é muitas vezes desvalorizada e não tratada no pós-parto. Em parte, é difícil percecionar se os sintomas da mulher são condicionados pelo puerpério em si e/ou se afetam a sua capacidade de autonomia e funcionamento.
Existem vários tipos de transtornos de ansiedade e cada um deles apresenta especificidades inerentes. Assim, será interessante percecionar de que forma a ansiedade excessiva, manifestada num destes transtornos, afeta o período pós-natal. Figura-se importante perceber quais os fatores que predispõem a mulher ao desenvolvimento de transtornos de ansiedade no pós-parto, qual o impacto que estes têm e de que forma os profissionais de saúde podem acompanhar a mulher quando estes transtornos se manifestam.
Sabe-se que a ansiedade excessiva se associa a piores resultados relacionais entre a díade mãe/recém-nascido, prejudica o funcionamento materno, condiciona a distress e pode, em casos extremos, levar ao infanticídio. Alguns autores conjeturam ainda que a exposição à ansiedade materna, desde o momento da conceção, pode ter efeitos negativos no desenvolvimento fetal normal e, posteriormente, no desenvolvimento infantil. A ansiedade no pós-parto associa-se a uma disrupção entre a díade mãe/bebé, a um risco aumentado de abuso infantil, à diminuição da probabilidade de amamentar, a um aumento da probabilidade de a criança desenvolver ansiedade, tendo um efeito nefasto na saúde da mulher e da criança.
Fatores predisponentes para a ansiedade no pós-parto
Os fatores condicionantes da ansiedade no pós-parto são a escolaridade materna elevada, historial prévio de depressão, parto pré-termo, experiência negativa do parto e da primeira semana do pós-parto, baixa eficácia materna, baixo apoio do parceiro, perceção do choro do bebé como excessivo e saúde materna deteriorada. Além disso, as expectativas da mulher em relação à gravidez, parto e pós-parto podem predispô-la a um transtorno ansioso se as suas expectativas não vão ao encontro daquilo que acontece na realidade, imperando sentimentos de medo e a sensação de perder o controlo. A mulher que tem receio do parto e o experiencia como um evento negativo, apresenta maiores níveis de ansiedade do que a que tem uma boa experiência. Não é propriamente o evento de uma complicação durante o parto que leva a mulher a apresentar sentimentos ansiosos, mas o medo da possibilidade desses eventos ocorrerem. Outro aspeto importante relaciona-se com a autoeficácia materna que se traduz na capacidade de a mulher organizar e executar tarefas e ações da maternidade. A perceção que a mesma detém do seu papel e a confiança que tem para prestar os cuidados ao recém-nascido afetam o seu agir e podem causar sentimentos ansiosos se a mulher se vê como incapaz.
O que fazer enquanto profissional de saúde?
O profissional de saúde, como veículo para o bem-estar e de promoção da saúde materna, denota um papel importante no seio da relação que estabelece com a mulher. A forma como age e comunica tem um impacto significativo numa fase tão sensível e vulnerável, uma vez que a sua ação pode condicionar positiva ou negativamente a saúde mental da mulher. Mesmo que o profissional tenha boas intenções e sinta que a está a apoiar, se a sua ação não for cuidadosa e adequada, poderá predispô-la à ansiedade no pós-parto. Deve respeitar a mulher e validar os seus sentimentos para que esta se sinta acolhida nesta etapa tão importante da sua vida.
Como deve então fazer isso?
Baseando a sua ação na escuta ativa e na empatia e tentando construir uma relação terapêutica que tenha por base a confiança. A comunicação é fundamental, não apenas a comunicação verbal, mas também toda a forma como o profissional de saúde se apresenta à mulher: o tom de voz, as palavras que escolhe, como as transmite, as expressões que utiliza, a linguagem corporal, etc. Quando o profissional de saúde detém uma postura altiva, arrogante, fria, sem sentimento, a mulher sente-se desamparada, não consegue confiar e como consequência não expõe o que a atormenta. Assim sendo, vive reclusa dentro da sua mente, sem ter alguém que a compreenda e que valorize os seus sentimentos e angústias. Mais facilmente uma mulher procura auxílio se sentir que foi escutada de forma empática e mais fácil será estabelecer um plano terapêutico para uma mulher que partilha a sua experiência e os seus sentimentos ansiosos. Portanto, estabelece-se a comunicação como ferramenta essencial para a atuação do profissional de saúde e para o estabelecimento de um plano de ação junto da mulher, quando este tipo de transtorno está presente.