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Enf. Alain Delgado

Enfermeiro Especialista
Saúde Materna e Obstetrícia

Enf. Alain Delgado

Comunicação durante o trabalho de parto
Implicações na qualidade em obstetrícia

HPA Magazine 18

A comunicação é uma das componentes mais importantes para se alcançar o sucesso em qualquer área. 
De uma forma geral, no mundo os grupos de trabalho são eficientes quando conseguem elaborar um plano adequado para alcançar um objetivo, quando conseguem manter todos os elementos a trabalhar nesse plano, adaptando-se aos imprevistos para esse mesmo objetivo. Mas para se poder fazer isso, é sempre essencial que a comunicação entre todos os elementos seja uniforme e que seja transmitida a informação adequada.
O setor da saúde é especialmente sensível nessa área, pois a eficiência das intervenções não são os únicos indicadores de sucesso. 
A comunicação deve ser eficaz nas equipas multidisciplinares, mas também com os utentes. Muito dos problemas na área de saúde não tem a ver com a parte técnica da prestação de cuidados, mas com a falta de comunicação que muitos utentes se queixam. 
Esta falta de comunicação atempada e eficaz é responsável pela falta de confiança que se pode desenvolver perante a equipas prestadoras.

 


Comunicação durante o trabalho de parto


 

Saúde materna · trabalho de parto
A área de saúde materna é ainda mais complexa, pois o Obstetra e o Enfermeiro especialista têm de lidar com as expectativas do casal, que elaboraram muitas vezes um plano pessoal com o seu ideal de parto, que o profissional deve respeitar, avaliando a cada passo as possibilidades da sua real execução. Isto obriga que todo o trajeto do trabalho de parto deva existir um acompanhamento constante e personalizado.
Quais as barreiras que podemos encontrar?
O trabalho de parto é um acontecimento individual e único para cada casal. Porque também cada casal é diferente, podem-se encontrar diferentes tipos de expectativas, convicções, conhecimentos e ideologias.
Podem ser identificadas utentes sem nenhum tipo de informação sobre o parto, barreiras culturais ou linguísticas que dificultam o processo de comunicação.
Muitas vezes, existem expectativas ou ideologias pouco realistas e convicções pouco maleáveis.
Os medos associados, a tão falada violência obstétrica podem levar parturientes e acompanhantes a criarem uma barreira e uma defesa constante que em nada facilita o trabalho de quem cuida para que tudo corra pelo melhor.
Neste contexto, muitas pessoas procuram preparar-se procurando informação sobre o parto.
E, apesar da boa intenção, é necessário que obtenham uma visão do parto abrangente, que incida não só no parto natural como melhor escolha, mas também na preocupação pelo bem-estar materno e fetal durante todo o processo.
A perceção do casal sobre o tema violência obstétrica é também muito importante, pois as suas vivências anteriores ou de fontes próximas podem ser muito condicionantes sobre o tipo de relação que irá construir com o orientador do trabalho de parto. Apesar da gravidade das situações apresentadas variarem, evidentemente muitas situações poderiam ter sido evitadas se existisse mais comunicação entre estes prestadores e utentes. 
A identificação de violência obstétrica com violência de género, surge em 2010. A ideia de violência obstétrica surge como “…um conjunto de práticas que degradam, oprimem e intimidam as mulheres na própria saúde reprodutiva, fundamentalmente na gravidez, parto e pós-parto (…), violação dos direitos humanos e reprodutivos (…) pode ser física, psicológica e simbólica (gestos e atitudes) sob domínio estrutural invisível …”
Quais são as principais queixas dos seguidores do conceito de parto não respeitado?
O parto não respeitado surge na ideia que no parto se realizam muitas vezes intervenções desnecessárias excessivas e desrespeitadoras tais como:
• Intervenções rotineiras, tricotomia, enema, monitorização;
• Procedimentos de aceleração de parto; Rotura Artificial de Bolsa Amniótica (RABA), descolamentos de membrana;
• Postura e mobilidade reduzidas;
• Falta de privacidade;
• Frieza dos profissionais;
• Cascata de intervenções mecanizadas;
• Analgesia limitante;
• Partos instrumentados não negociados;
• Manobra de kristeller (aplicação de pressão na parte superior do útero com o objetivo de facilitar a saída do bebé);
• Episiotomia;
• Excesso de profissionais presentes;
• Desejo de partos pélvicos;
•  Cesarianas sem motivo aparente.

MODELOS DE COMUNICAÇÃO 
Tendo em vista este problema complexo, existem diversos instrumentos que podem ajudar os profissionais a lidarem com os medos, inseguranças e stress de quem irá passar pelo trabalho de parto.
Neste contexto, é possível utilizar vários modelos de comunicação, que visam cultivar a relação entre utentes e profissionais e estabelecer uma relação de confiança.

PARTNERSHIP MODEL 
O partnership model visa o envolvimento do paciente no seu estado, procurando o consenso no seu tratamento para melhor adesão ao proposto. Existe uma comunicação participativa com tempo idêntico para conversar.


 

AIDET
Outro modelo é a comunicação AIDET, que consiste em ser atencioso e positivo (Acnowledge), apresentar o nome, papel e competências (Introduce), atribuir uma janela de tempo adequada para o plano (Duration), assegurar que o paciente tem a informação adequada (Explanation) e mostrar reconhecimento pela sua cooperação (Thank you).

MODELO DE RESPEITO-DIVERSIDADE CULTURAL
É uma abordagem a um nível social, deve-se procurar conhecer o ponto de vista do utente, suspender qualquer julgamento e evitar apreciações (Rapport).
Devemos relembrar que o paciente veio por ajuda e procurar entender o raciocínio dos seus comportamentos. Pode-se legitimar verbalmente os sentimentos da utente (Empathy).
Devemos perguntar ou tentar perceber as barreiras para os cuidados. Ajudar a utente a ultrapassar as barreiras. Envolver a família se apropriado. Assegurar que se está ali para ajudar (Suport).
Procurar estabelecer uma parceria e demonstrar flexibilidade sobre o controlo da situação.
Negociar papéis com o utente, assegurar que irão trabalhar em conjunto para resolver os problemas (Partnership).
Questionar se entendeu o que foi explicado. Utilizar técnicas verbais para esclarecer (Explanations).
Respeitar o a cultura e as crenças do utente, entender que o utente também pode ter uma visão estereotipada do profissional.
Reconhecer limitações pessoais e que podemos não saber o significado dos problemas médicos para outras culturas.
Reconhecer o nosso estilo, e reconhecer quando o mesmo não se adequa a determinado paciente (Cultural Competence).
Dar tempo para trabalhar relação de confiança (Trust).

PONTOS ESSENCIAIS DA COMUNICAÇÃO NO TRABALHO DE PARTO
Os modelos apresentados podem ser úteis na elaboração de um plano de atendimento. De uma forma geral, podemos assumir que qualquer comunicação, deve ser adaptada consoante a informação obtida sobre o casal em trabalho de parto:
• Assegurar sempre a qualidade do atendimento e dos cuidados
• Perceber caraterísticas pessoais e formativas e adaptar linguagem 
• Avaliar o tipo de expectativas dos utentes, identificar barreiras
• “Perder tempo” a explicar todos os procedimentos, e explicar se existem vantagens versus atitude expectante
• Realizar sempre consentimento informado, o parto é pessoal, individual e deve ser respeitado
•  Fazer um plano a curto/médio prazo, mas estabelecer limite temporal. Explicar sucintamente plano de emergência B)
• Não defraudar o planeado, evitar mudar radicalmente
• Dar tempo para interiorizarem mudanças no plano
• Desmistificar conceitos preformados errados, dar a conhecer atendimento especializado da maternidade e criar confiança
• Demonstrar preocupação, entrega, evitar avaliações excessivas, assegurar privacidade, cada parto é um parto
• Envolver outros profissionais no plano/na relação de confiança
• Dar importância ao parceiro (motivador/bloqueador)
• Reavaliar subtilmente expectativas (também se readaptam com o passar do tempo)
• Deve ser tentado estabelecer uma relação de empatia/confiança e assegurar que o objetivo da equipa é o nascimento de uma criança saudável e de proporcionar uma boa experiência ao casal.
Um dos maiores problemas existentes é que nem sempre se pode cumprir todas as expectativas dos utentes, existindo muitos fatores a ter em conta. Uma das mais importantes é assegurar sempre o bem-estar materno-fetal.
A comunicação eficaz, é a melhor forma de transpor barreiras, de criar relações de confiança e assegurar a colaboração tanto de equipas multidisciplinares como de casais em trabalho de parto.
Os mesmos cuidados prestados com e sem comunicação eficaz são vistos e avaliados de fora, completamente díspares pelos utentes.
Quanto melhor entendimento pelos utentes existir sobre o plano preparado, melhor relação de confiança se poderá estabelecer e, maior o índice de satisfação.
Apenas uma personalização da comunicação pode fornecer os cuidados pretendidos.