Pediatra
HPA Magazine 14
A dor abdominal é um sintoma muito comum em idade pediátrica, desde o pequeno lactente, até a adolescência, tendo um pico na idade pré-escolar e escolar. Constitui um dos motivos mais comuns de ida a um serviço de urgência pediátrico.
As causas são diversas podendo ser grosseiramente classificadas em causas orgânicas e funcionais.
As Causas Orgânicas, são aquelas em que encontramos uma causa física, que engloba um grande espectro de gravidade, desde a esofagite; úlcera gástrica ou duodenal; doença inflamatória intestinal; infeção urinária; apendicite aguda, entre outras.
Neste caso, a história clínica da criança, especificando os sinais e sintomas acompanhantes, as caraterísticas da dor e a sua localização, podem ser suficientes para essa suspeição. Para o diagnóstico definitivo de uma causa orgânica, são habitualmente necessários alguns exames auxiliares de diagnóstico que incluem análises de sangue e fezes e na maioria das vezes exames de imagem, como por exemplo ecografia abdominal e ainda exames mais invasivos como endoscopia digestiva alta e baixa (colonoscopia), sendo os últimos sempre realizados com o apoio da anestesiologia para sedação.
Alguns sinais e sintomas são mais orientadores para a dor abdominal de causa orgânica, nomeadamente:
As Doenças Gastrointestinais Funcionais existem na idade pediátrica e no adulto e são habitualmente diagnósticos de exclusão. Ou seja, mesmo que a história clínica nos sugira este diagnóstico, são necessários alguns exames para excluir as causas referidas como ORGÂNICAS. Esta entidade engloba as seguintes patologias:
Saliento em primeiro lugar a obstipação, que em mais de 90% dos casos é funcional, ou seja, não tem por base uma doença gastrointestinal específica, mas sim relaciona-se com caraterísticas da funcionalidade do trânsito intestinal de cada um. Tem alguma predisposição familiar e é a causa mais comum de referenciação a uma consulta de gastroenterologia pediátrica por apresentar dor abdominal recorrente.
Trata-se da dificuldade em defecar e diminuição do número de dejeções por semana (inferior a 3 deposições por semana) ou dejeções com fezes muito duras (classificação de Bristol- tipo 1 e 2).
Há 3 fases críticas do desenvolvimento da criança para o aparecimento da obstipação:
1 - Introdução de cereais na fase de lactente (farinhas lácteas ou não lácteas);
2 - Fase do treino defecatório (2-3 anos);
3 - O início da escolaridade (5-6 anos).
A fase do treino defecatório entre os 24 e os 36 meses de idade, é uma fase de risco para o aparecimento de obstipação, pelo medo que a criança tem da dor anal durante a defecação, levando a manobras de retensão das fezes e dificuldade em transitar da fralda para o bacio.
Muitas vezes as experiências negativas com a defecação (dor ao defecar; ser forçado a sentar na sanita mesmo referindo medo; uso de terapêutica retal; presença de sangue nas fezes) levam a acumulação de massa fecal no reto por recusa em eliminá-la e subsequente dor anal e abdominal, iniciando-se assim um ciclo vicioso.
Os erros alimentares (excesso de hidratos de carbono e açúcares) associados a uma dieta pobre em hortícolas e fruta fresca são a principal causa de obstipação.
O tratamento passa muito pelo ensino do treino defecatório (posição de sentar na sanita com redutor e pés apoiados; incentivar a criança a sentar-se em horário regular; desmistificar o medo; tranquilizar) e por alteração dos hábitos alimentares errados e terapêutica laxante.
Existem no mercado vários fármacos em formulações orais (xarope ou pó para dissolver) que não têm praticamente efeitos secundários, são palatáveis, não induzem qualquer habituação do sistema gastrointestinal e são realmente eficazes, contribuindo para a evicção da terapêutica retal. Os vulgares clisteres devem apenas ser usados em situações de urgência, pois aumentam a ansiedade associada a esta situação clínica.
A dor abdominal FUNCIONAL continua a ser uma situação clínica enigmática! É uma dor que a criança sente, mas não tem uma causa orgânica evidente. Tem maior incidência entre os 5-10 anos de idade. Obriga muitas vezes a investigações extensivas e desnecessárias.
Na literatura são propostas terapêuticas com pouca eficácia e pouca evidência do seu benefício.
Ao contrário da dor de causa ORGÂNICA, a dor FUNCIONAL, tem caraterísticas de benignidade. É uma dor que não é constante, não interfere habitualmente com a atividade diária da criança, tem localização peri umbilical, não leva a diminuição do apetite e frequentemente está relacionada com o período escolar.
Podem ser usados probióticos ou antiespasmódicos, mas o tratamento mais eficaz passa por apoio psicológico, mais concretamente com terapia cognitivo-comportamental. O fundamental para a resolução deste quadro que pode ser lenta, é tranquilizar os pais e a criança. Explicar-lhes que é uma situação benigna. A dor que a criança refere, deve ser valorizada, mas os pais e educadores devem tentar acalmar a criança e oferecer-lhe estratégias de distração da dor. Não alterar as rotinas habituais da criança.
Naturalmente, este diagnóstico é de EXCLUSÃO, ou seja, apesar da história clínica ser sugestiva, alguns exames auxiliares devem ser efetuados, tais como: exames analíticos com estudo da doença celíaca; presença ou não de anemia; infeção urinária; parasitose intestinal, entre outros.
A dor abdominal em idade pediátrica é na sua maioria dos casos, de etiologia benigna, mas uma história clínica pormenorizada é fundamental para um melhor entendimento do quadro e poderá evitar a realização de exames invasivos desnecessários.