O papel da terapia da fala no doente com acidente vascular cerebral
Ana Filipa Murteira Terapeuta da Fala
Ana Cecília Gonçalves Terapeuta da Fala
De acordo com a Sociedade Portuguesa do Acidente Vascular Cerebral o AVC continua a ser a principal causa de morte e incapacidade em Portugal. Estima-se que cerca de dois terços dos doentes que sofreram um AVC fiquem com sequelas motoras, cognitivas ou comportamentais, com consequências importantes a nível social, familiar e profissional.
A Terapia da Fala é parte integrante da equipa de reabilitação, intervindo nas dificuldades de comunicação e deglutição destes doentes.
Mas como se caracterizam as dificuldades de comunicação e deglutição no doente com AVC? Como pode o Terapeuta da Fala ajudar a recuperação destes doentes?
COMUNICAÇÃO: LINGUAGEM E FALA
A comunicação é um elemento fundamental da cognição humana, através da qual expressamos necessidades, emoções e opiniões, que fazem de cada um de nós um ser individual, social e participativo. A comunicação (verbal ou não- verbal) é dependente de uma rede complexa de estruturas e processos cerebrais. Ao atingir determinadas áreas cerebrais, o AVC pode conduzir a dificuldades de comunicação, nomeadamente à afasia e à disartria.
A afasia é uma perturbação adquirida da linguagem, na sequência de uma lesão no cérebro. A afasia afeta a capacidade de uma pessoa em se expressar quando fala e/ou compreender o que os outros dizem. Pode igualmente afetar a capacidade de ler, escrever e fazer gestos. Ao afetar a capacidade de linguagem, a afasia compromete a comunicação, participação e autonomia nos papeis sociais e familiares, com consequências psicossociais importantes.
A Terapia da Fala intervém na recuperação da linguagem, através de técnicas de estimulação da linguagem oral e escrita e, no desenvolvimento de estratégias que potenciem uma comunicação eficaz.
O Terapeuta da Fala atua também na educação de outros profissionais de saúde da equipa multidisciplinar e familiares/cuidadores/amigos sobre estratégias comunicativas que possam potenciar a comunicação com a pessoa com afasia.
A disartria é um distúrbio na articulação da fala devido a um défice motor após uma lesão no cérebro. A disartria é uma sequela muito comum após o AVC, embora o grau de afetação da inteligibilidade da fala possa variar consideravelmente.
O tipo de intervenção da Terapia da Fala será ajustado de acordo com a gravidade e características do quadro, podendo centrar-se, por exemplo, na recuperação das funções da fala perturbadas ou, em casos severos, na implementação de estratégias comunicativas aumentativas ou alternativas.
DEGLUTIÇÃO
A deglutição (ato de engolir) é um processo fisiológico complexo, que garante o transporte seguro do alimento desde a boca até ao esófago e, que é controlado por mecanismos neurológicos, musculares e sensoriais.
A disfagia é uma perturbação no processo de deglutição. A disfagia é uma importante complicação do AVC agudo, afetando entre cerca de 30 a 55% dos doentes no pós-AVC. O doente com disfagia apresenta um risco 3 a 7 vezes superior de pneumonia por aspiração (ou seja, pneumonia por entrada de alimento na via respiratória e pulmões), aumentando o risco de complicações clínicas, o tempo de internamento hospitalar e a possibilidade de morte.
É fundamental que doentes com disfagia sejam observados por um Terapeuta da Fala, para que possam ser avaliadas as dificuldades específicas de deglutição. O Terapeuta da Fala irá observar o doente a comer ou beber diversas consistências alimentares (sólidas, pastosas e líquidas), examinando a funcionalidade da deglutição. A avaliação da deglutição poderá ser complementada com um exame médico, feito pelo Otorrinolaringologista e pelo Terapeuta da Fala, usando uma pequena câmara, inserida através do nariz, que possibilita a visualização da laringe, faringe e parte do esófago durante a deglutição.
A reabilitação do doente com disfagia inclui modificações à dieta, estratégias para uma deglutição segura e exercícios direcionados para fortalecer os músculos envolvidos na deglutição.
O Terapeuta da Fala intervém também na educação de outros profissionais de saúde da equipa multidisciplinar e familiares/cuidadores do doente com disfagia sobre quais as estratégias que vão garantir uma deglutição o mais segura possível.
31 de Março de 2021